OAB/RS 1.935

Dorfmann e Bianchi

NOTÍCIAS

5 de janeiro de 2022

3ª turma do STJ: Condomínios podem proibir locações como Airbnb


A decisão desta terça-feira, 23, vai no mesmo sentido da 4ª turma.

A 3ª turma do STJ decidiu que condomínios podem proibir aluguel por curta temporada por meio de plataformas digitais, como o Airbnb. O colegiado considerou que não há nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta por condomínio e que o quórum de 2/3 da convenção do condomínio foi respeitado.

A controvérsia já foi decidida pela 4ª turma do STJ, com o mesmo entendimento de que os condomínios podem proibir a prática.

Condomínios podem proibir locação por plataformas digitais

Trata-se de ação proposta por proprietário visando anulação de assembleia condominial na qual se deliberou pela proibição de locação de casa situada em condomínio residencial por prazo inferior a 90 dias, seja por meio de plataformas digitais (Airbnb e outras do gênero), seja por outras formas de locação por temporada.

O juízo de primeiro grau julgou procedente a demanda. O Tribunal, no entanto, reformou a decisão.

No STJ, em sustentação oral, o advogado do condômino ressaltou que o fato de o recorrente se utilizar das plataformas virtuais de locação, não representa ameaça ao bem-estar ou segurança dos demais condôminos.

O representante do Airbnb destacou que uma locação não tem a sua natureza jurídica não residencial definida pelo seu prazo. O advogado destacou que a relação de hospedagem está definida na lei 11.721/08, na qual o art. 23 define que deve envolver necessariamente prestações de serviços (arrumação, limpeza etc.), o que não existe no tipo de locação em exame.

Segundo José Eduardo Cardozo, muitas famílias vivem de alugueis pelo Airbnb, especialmente no período de pandemia, e conseguem receita para sustentar suas famílias em época de crise. Portanto, segundo o causídico, o impacto econômico de proibir a prática seria de muitas dimensões.

Destinação residencial

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ressaltou que a exploração econômica de atividades autônomas mediante locação por curtíssimo prazo, caracterizadas pela eventualidade e transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio réu.

Para o ministro, é inegável a afetação do sossego e da salubridade causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro.

“O estado de ânimo daqueles eu utilizam seus imóveis para fins residenciais não é o mesmo de quem se vale de um espaço para aproveitar suas férias, valendo lembrar que as residências são cada vez mais utilizadas para trabalho em regime de home office, para o qual se exige maior respeito ao silencio, inclusive no período diurno.”

Cueva ainda considerou que a segurança dos condôminos ficaria mais vulnerável com a constante entrada e saída de novos moradores em curto espaço de tempo, notadamente em condomínio menores e em lugares isolados.

Assim, entendeu que não há nenhuma irregularidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta pelo condomínio réu, a quem cabe decidir acerca da conveniência ou não de permitir locação de unidades autônomas por curto período, segundo voto da maioria qualificada dos condôminos.

Regulamentação

O ministro acredita que a lacuna legislativa sobre o tema traz insegurança jurídica, a exigir atenção do legislador para rápida regulamentação de uma prática que possui cada vez mais adeptos.

“O legislador não deve se ater apenas ás questões econômicas, tributarias e administrativas. Deve considerar, acima de tudo, interesses dos usuários e das pessoas que moram próximas aos imóveis passiveis de exploração econômicas. Justamente por serem novas, essas práticas ainda escondem inúmeras deficiências, a exemplo da falta de segurança dos próprios usuários.”

Diante disso, negou provimento ao recurso especial.

Após vista coletiva, o colegiado por unanimidade negouprovimento ao recurso especial, sob fundamentos diversos.

Processo: REsp 1.884.483

Em nota ao Migalhas, o Airbnb opinou que os julgamentos em questão se referem a casos específicos e pontuais e as decisões não determinam a proibição da locação via Airbnb ou outras plataformas digitais em condomínios de maneira geral. 

“O aluguel por temporada no Brasil é legal, expressamente previsto na Lei do Inquilinato e não configura atividade hoteleira. Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito constitucional de propriedade de quem aluga o seu imóvel.”

Condomínios e Airbnb

Os condomínios estritamente residenciais não têm permissão para explorar comercialmente suas unidades, caracterizando essa hospedagem como um desvio de finalidade, para dizer o mínimo.

Na ampla problemática dos condomínios e empreendimentos assemelhados como loteamentos fechados, avulta mais recentemente a questão da hospedagem curta proporcionada pelo sistema denominado Airbnb.

Esse sistema consiste em uma plataforma on line de hospedagem pela qual os interessados podem se hospedar em quarto ou imóvel inteiro (casa ou apartamento) por curta temporada. Utiliza um imóvel normal e não uma pousada ou local específico para hospedagens. O sistema possui uma classificação do hóspede por estrelas. Os pagamentos são realizados por plataforma de cartão de crédito.

O maior entrave para a utilização generalizada dessa modalidade diz respeito aos condomínios estritamente residenciais. Esta, como inúmeras inovações sociais trazidas nesta contemporaneidade, gera inquietação aos moradores, principalmente pela quebra de segurança, sem falar na interferência do sossego e no eventual tumulto da vida condominial.

Não existe ainda uma regulamentação legal e nem uma proibição expressa na lei. Em princípio o instituto seria regulado pela lei 11.771/08, que trata da hospedagem para turismo, mas essa lei está voltada para estabelecimentos de hotelaria. Não se amolda, em absoluto, para conjuntos residenciais comuns.

A lei do inquilinato (arts. 48 a 50 da lei 8.245/91) prevê a locação por temporada por até noventa dias, mas dirige-se a outra classe de inquilinos e não a hóspedes. A locação por temporada se destina a lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras no imóvel do locatário e situações símiles, como dispõe o art. 48.

Porém, há que se ressaltar que na locação por temporada há locatários e não hóspedes. Essa compreensão é fundamental. A locação por temporada somente se perfaz com contrato escrito, pois exige o prazo determinado, sendo incompatível o contrato verbal.

Nos condomínios a situação do Airbnb e congêneres, que certamente surgirão no mundo globalizado, o “hospedeiro” está locando não apenas sua unidade, mas toda parte comum do condomínio. A primeira questão já se posta para esses hospedes no tocante à utilização dos bens de uso comum como piscinas, salão de festas, sala de ginástica etc. Já aqui surge uma inquietação compreensível dos condôminos em sua vida social e não apenas sob o aspecto da segurança.

O zelador e o síndico não são recepcionistas hoteleiros e não estão preparados para tal, não sendo esse seu mister. Os condomínios estritamente residenciais não têm permissão para explorar comercialmente suas unidades, caracterizando essa hospedagem como um desvio de finalidade, para dizer o mínimo.

Os condôminos atingidos por essa situação devem decidir em assembleia sobre a proibição, até que se faça expressamente menção do fato em alteração da convenção, embora tecnicamente não nos pareça necessário, ainda que seja mais conveniente para espargir dúvidas, pois não se sabe por ora para onde baloiçam exatamente os ventos dos tribunais.

Não resta dúvida, contudo, que a questão é sensível e polêmica, exigindo pronta intervenção do intérprete. Caberá ao síndico a primeira palavra no sentido de impedir a entrada e saída de pessoas, que irão certamente tumultuar a vida condominial. Uma deliberação assemblear para respaldar o síndico será, em princípio, a primeira medida, com ampla divulgação aos partícipes da vida condominial.

Note que essa discussão não causa problemas apenas entre nós, mas também no exterior.

Se levarmos a questão para o nível constitucional, tudo girará em torno da função social da propriedade. Mormente nos condomínios de apartamentos e assemelhados, os poderes do proprietário encontram maiores restrições legais e de equidade, pela própria natureza dessa modalidade de propriedade. Cada propriedade deve ser utilizada de acordo com sua função social.

Destarte, parece-nos evidente que a utilização desses condomínios não pode ter função de hotelaria, por sua própria natureza, por não estar destinado a tal, porque não tem mínima condições de atuar nesse ramo, que tem finalidade lucrativa. Todavia, por vezes o caso concreto terá particularidades que mereçam melhor estudo, o que não deve alterar a regra geral que aqui expomos, com o devido respeito às vozes dissonantes. A aplicação do Direito exige sempre bom senso e equilíbrio, mormente levando-se em conta que a acomodação legislativa desse fato social ainda levará algum tempo.

A solução mais eficiente nos parece ser a previsão ou proibição de hospedagem pela natureza do condomínio na sua convenção. A verdade patente é que o condomínio estritamente residencial não se amolda e esse tipo de hospedagem.

A insistência em utilizar essa hospedagem sem o aval do condomínio é infração à sua finalidade, acarretando ao condômino recalcitrante a tipificação de antissocial, sujeitando-o às penalidades definidas no CC (arts. 1.226, 2º e 1.337). Analisamos detidamente essas hipóteses e penalidades em nossa obra Direitos Reais (cap.15).

A convivência em edifícios e condomínios é muito mais complexa do que simples direitos de vizinhança. Os primeiros julgados sobre o tema têm sufragado majoritariamente a opinião aqui exposta. Alentado parecer da OAB/SP – Comissão Especial de Direito Condominial, é da mesma opinião. Aguardemos que as partes que eventualmente conflitem nessa área consigam a melhor solução.

Fonte: Migalhas

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